Bom, muita gente me pergunta qual a razão do meu interesse por mobilidade urbana, congestionamentos, transporte público, sendo eu um economista. Eu sempre respondo que grande parte dos problemas urbanos nada mais são do que problemas de ordem econômica, que podem e devem ser debatidos sob este ponto de vista. Mas de que forma a economia enxerga estes problemas? A ciência econômica (vou resumir bem isso aqui) estuda as relações humanas que resultam da relação entre necessidades ilimitadas e recursos escassos. - Como é que é, vei??? Exprica esse negoço aí direito! Vamos lá: a economia estuda basicamente a gestão dos recursos escassos. As necessidades do ser humano são ilimitadas, todos nós queremos tudo, mas os recursos são escassos. - Mas maluco, me diz uma coisa...economia não é um monte de matemática??? Não. economia não é uma ciência exata, é uma ciência social, porém utiliza-se bastante do ferramental matemático. Mas como a economia então enxerga o problema dos congestionamentos? Veremos um pouco abaixo, mas sem matemática.
Do ponto de vista econômico, podemos classificar os bens e/ou serviços segundo duas características elementares: o seu grau de “rivalidade” e o seu grau de “exclusividade” . Um bem se diz “rival” se o seu consumo por uma pessoa reduz a quantidade disponível para os outros. Os artigos nas prateleiras dos supermercados são exemplos de bens com alto grau de rivalidade, pois se você comprar um frango, outro consumidor não poderá consumir o mesmo franguinho. De forma inversa, a não-rivalidade significa que o consumo de uma pessoa não restringe a quantidade disponível para os outros. Dentre os bens “não-rivais” teríamos as ondas de rádio, o oceano ou a luz solar. Quando você ouve rádio, qualquer outra pessoa também pode ouvir sem problemas.
Bens “exclusivos” são aqueles onde existe a possibilidade de excluir pessoas. Os bens sobre os quais é possível atribuir direitos de propriedade são passíveis de exclusão. Essa exclusividade diz respeito à possibilidade de excluir todos os que não pagaram. Nesse caso, aquele show do Festival de Verão, a energia elétrica e a TV fechada são bens “exclusivos”, ou seja, são exclusivos de quem os pagou. De forma análoga, bens não-exclusivos são aqueles em que há uma inviabilidade em excluir os não pagadores. Uma queima de fogos pode ser classificada como bem não-exclusivo, pois não há como impedir pessoas de assistí-lo, a não ser que alguém faça uma queima de fogos em local fechado (não façam isso em casa, por favor). O ar que respiramos é outro exemplo, não pode-se cobrar pelo ar que respiramos, não tem como.
Vejamos outros conceitos importantes. Bens públicos são aqueles cujo consumo de uma pessoa não afeta a quantidade consumida pelas demais, além de não ser passíveis de exclusão, ou seja, são bens de acesso livre. Bens públicos são 'não-rivais' e 'não-exclusivos'. Ou seja, um bem público é aquele que não se pode cobrar pelo uso, e o uso de uma pessoa não impede o uso de outra. O ar que respiramos é um bem público pois o fato de você respirar não impede que outra pessoa respire e ninguém paga por isso. Bens comuns são aqueles que os agentes podem acessar livremente (não-exclusivos), porém o consumo de um agente reduz a quantidade disponível para os outros (rivais). Qualquer pessoa pode pescar no Dique do Tororó, mas a partir do momento que você pesca um peixe, você está reduzindo a quantidade de peixes para os outros, por isso existe rivalidade. Uma avenida é um exemplo típico de um bem com grau de exclusividade praticamente nulo (estando ela congestionada ou não), mas a partir do momento que você sai com seu carro, está reduzindo o espaço para outros motoristas. A avenida é não-exclusiva porém é rival.
Ao analisar estas duas categorias de bens, é importante fazer referência à ligação do grau de rivalidade e o congestionamento (ou saturação) do seu acesso. Uma vez disponível a rua, livre para todos, com baixo grau de exclusividade (não se cobra pra usar uma avenida), todo mundo procura explorá-lo ao máximo, sem analisar os custos sociais desta ação.
Existe um caso muito famoso na teoria econômica, introduzido pelo economista inglês Guillermo Foster Lloyd (1833), popularizado pelo ecologista americano Garrett Hardin, chamado “A tragédia dos bens comuns”. No artigo, Hardin está claramente preocupado com o aumento da população com um mundo finito. Segundo o autor, quando o bem é comum (uma avenida, por exemplo), as pessoas podem utilizá-lo sem impedimentos. Se cada pessoa limitar o seu uso, a satisfação é geral, trazendo benefícios para todos. O grande dilema está na possibilidade das outras pessoas (seres racionais que buscam aumentar sua satisfação) não limitarem seus usos, fazendo com que a pessoa que se controla tenha seu benefício diminuído. Cada pessoa, neste contexto, está sujeita a utilizar o bem ao máximo até a ruína geral. Hardin dá o exemplo de uma lagoa, onde a quantidades de peixes é finita. Se todos controlarem a exploração, haverá peixes para todos. Porém se não houver regulamentação, todos vão querer pescar a maior quantidade de peixes possível, afinal todos pensam da mesma forma - se eu deixo de pescar, o pescador do lado não vai pensar como eu, então 'farinha pouca meu pirão primeiro'. Para Hardin essa é a natureza do ser humano quando não existe regulação.
O benefício de utilizar o automóvel é positivo, já que existe uma maior flexibilidade do carro em relação ao transporte público. A entrada de veículos em uma avenida continua até o ponto onde o benefício econômico é zero. Uma vez que ninguém é o dono da rua, não há regulação e portanto não há restrição para a entrada de mais e mais veículos. Desse modo, as avenidas, principalmente das grandes metrópoles, são sobre-exploradas de forma trágica, vide os congestionamentos que enfrentamos diariamente. A razão para esta tragédia é que, quando o motorista decide trafegar na via, seu benefício aumenta, mas o benefício de todos os outros diminui. O motorista não leva em conta o custo que ele impõe aos outros motoristas.
Para Hardin, existem duas soluções para evitar a tragédia dos bens comuns: a regulamentação do acesso por parte do Estado; ou a privatização dos bens comuns. As duas soluções para este problema estão longe de acontecer. No que diz respeito ao estado, este apenas contribui a cada dia para o agravamento do problema. Assim como Hardin, eu também estou preocupado.
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