segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Segurança pública x Segurança do trânsito



Hoje, segunda-feira, 60 novos radares passarão a multar motoristas infratores em Salvador. Os radares possuem 3 funções: controle de velocidade, fiscalização de avanço de sinal e parada na faixa de pedestres. Em Salvador, o avanço do sinal e parada na faixa é "permitida" das 21hs às 6hs. Entre aspas e já explico. A função de controle de velocidade é 24hs, ou seja, é "permitido" avançar, mas em velocidade permitida. 

O título deste post é uma alusão ao fato de muitos motoristas terem medo de ser assaltados à noite em sinaleiras, e assim descumprem a ordem de parada obrigatória, gerando de certo modo uma insegurança ao trânsito. Ou seja, a segurança pública ineficiente promove uma insegurança também do trânsito. O artigo 144 da Constituição Federal e o artigo 1º, § 2º do Código de Trânsito Brasileiro guardam estreita relação, quando estabelecem que segurança pública (CF) e o trânsito em condições seguras (CTB) são direitos de todos e dever dos órgãos competentes, com a singela diferença que a constituição trata de DIREITO e RESPONSABILIDADE de todos. Ou seja, é necessário que cada um assuma sua parcela de responsabilidade para garantir o bem estar coletivo. Ignorar a sinalização, com a justificativa de estar cuidando da sua segurança, pode ser uma ação necessária à sobrevivência, mas não podemos aceitar comportamentos que coloquem em risco a vida de outrem.

E agora, José?

O avanço do sinal vermelho é infração de natureza gravíssima, previsto no artigo 208 do CTB e nele não há qualquer diferenciação de horário. Para comprovar a infração, o artigo 280, § 2º, do mesmo código, permite-se utilizar, além do agente de trânsito o equipamento eletrônico devidamente regulamentado para tal. É por conta destes equipamentos que muitos imaginam ser permitido o avanço do sinal a noite, uma vez que os órgãos de trânsito costumam desliga-los a partir das 21hs ou 22hs, para evitar reclamações daqueles que justificam a infração com alegação de insegurança. Esta decisão dos órgãos não quer dizer que é permitido o avanço do sinal, mas que a fiscalização fica limitada apenas aos agentes de trânsito. Ou seja, se você passar por um sinal vermelho e um agente elaborar o auto de infração, você será sim multado. Pode até tentar recurso, mas certamente não será acatado, a não ser que você prove que estava sendo vítima de assalto ou estava levando a mulher pra maternidade. 

Muitos órgãos têm optado pela mudança semafórica, deixando todas as sinaleiras no período noturno sob cor amarela intermitente. É uma condição prevista em lei, portanto legal (anexo II do CTB, item 4.2.1 que permite o uso de indicação luminosa amarela intermitente, em determinados horários e situações específicas, ficando o condutor obrigado a reduzir a velocidade e respeitar a preferência de quem vem a direita, como disposto no artigo 29, inciso III, alínea c). Ou seja, ressalvados estes semáforos, nos outros os motoristas devem obedecer as indicações luminosas sim. E quanto ao impasse inicial - segurança pública versus segurança do trânsito?

Esta iluminação semafórica não está prevista em lei...

O especialista Julyver Modesto de Araújo acredita que em via de regra os motoristas utilizam da argumentação da insegurança, mas muitas vezes não possuem um comportamento seguro: deixam os vidros abertos, portas destravadas, e objetos de valor à mostra, andam nas faixas dos cantos (mais visadas), permanecem desatentos ao que acontece ao redor, entre outras negligências que facilitam a atuação dos assaltantes. Segundo ele é comum que o condutor ao ver que o sinal esta fechado, ou prestes a fechar, permaneça com a velocidade em que se encontra, chegando rapidamente ao semáforo e então "lembra-se" que está em posição fragilizada. O especialista frisa que a noite, com o tráfego menos intenso, é simples controlar a velocidade do veículo. O ideal é que o motorista ao perceber que o sinal vai fechar, reduza a velocidade, mantendo o carro em movimento de maneira que só chegue ao semáforo quando este estiver novamente verde. Com atenção redobrada e velocidade controlada evita-se com muito mais facilidade as abordagens. Desta forma, o condutor demonstrará que realmente está preocupado com a sua segurança, a segurança do trânsito, e não somente em chegar mais rápido ao seu destino, desrespeitando a sinalização.

Localização dos novos radares: 
1 - Avenida Dendezeiros do Bonfim, Hospital Santo Antônio, 60km        
2 - Avenida Afrânio Peixoto (Suburbana), Conjunto Nova Primavera, 60km
3 - Avenida Afrânio Peixoto, Conjunto Nova Primavera, 60km
4 - Avenida Afrânio Peixoto, Andrade Materiais de Construção, 60km     
5 - Avenida Afrânio Peixoto, Azurra, 60km
6 - Avenida Centenário, Hospital Santo Amaro, 70km
7 - Avenida Centenário, Hospital Santo Amaro, Túnel Teodoro Sampaio, 70km
8 - Avenida Afrânio Peixoto, 1ª Travessa dos Coqueiros, 60km        
9 - Avenida Reitor Miguel Calmon, EA-UFBA, Garibaldi, 70km       
10 - Avenida Reitor Miguel Calmon, FAMEB, Avenida Lafayete Coutinho, 70km    
11 - Rua Silveira Martins, Col. Francisco da C. Menezes, Saboeiro, 50km
12 - Rua Silveira Martins, Col. Francisco da C. Menezes, UNEB, 50km    
13 - Avenida Octávio Mangabeira, Posto Plakinha, 70km       
14 - Rua Silveira Martins, Igreja Evangélica, UNEB, 50km       
15 - Rua Silveira Martins, Colégio Rio Branco, UNEB, 50km   
16 - Avenida Professor Pinto de Aguiar, UCSAL, 70km
17 - Avenida Professor Pinto de Aguiar , UCSAL, sentido Avenida Luís Viana (Paralela), 70km
18 - Avenida Anita Garibaldi, Colégio Evaristo da Veiga, 70km        
19 - Avenida Anita Garibaldi, Colégio Evaristo da Veiga, 70km       
20 - Avenida Jequitaia, Órfãos de São Joaquim, 60km 
21 - Avenida Reitor Miguel Calmon, Posto BR, Campo Grande, 70km    
22 - Avenida Juracy Magalhães Júnior, Cidade Jardim, 70km
23 - Avenida Dorival Caymmi, Bompreço, 60km
24 - Avenida Dorival Caymmi, Bompreço, 60km   
25 - Avenida Amaralina, Rua do Balneário, 60km
26 - Avenida Vasco da Gama, Ladeira do Pepino, 70km       
27 - Avenida Antônio Carlos Magalhães, Complexo Odonto-Médico, 70km     
28 - Avenida Vale dos Barris, Praça Dr. João Mangabeira (Rótula dos Barris), 60km
29 - Avenida São Cristóvão, Colégio Helena Matheus, 60km 
30 - Avenida São Cristóvão, Colégio Helena Matheus, 60km
31 - Avenida Antônio Carlos Magalhães, DETRAN, 70km
32 - Avenida Octávio Mangabeira, Jardim dos Namorados, 70km  
33 - Rua Cons. Pedro Luiz, Rua Vieira Lopes, Avenida Vasco da Gama, 60km       
34 - Avenida Eng. Oscar Pontes, Feira de São Joaquim, 60km       
35 - Avenida Centenário, Praça Dr. João Mangabeira (Rótula dos Barris), 70km       
36 - Avenida Octávio Mangabeira, Alah Mar Hotel, 70km
37 - Avenida Octávio Mangabeira, Alah Mar Hotel, 70km
38 - Avenida São Rafael, Hospital São Rafael, 60km
39 - Avenida São Rafael, Hospital São Rafael, 60km
40 - Avenida Antônio Carlos Magalhães, McDonald´s, 70km 
41 - Avenida Antônio Carlos Magalhães, Kia Motors, 70km
42 - Corredor da Lapinha, Rua Campos França, Liberdade, 50km  
43 - Estrada da Liberdade, Esc. Mun. Pirajá da Silva, Lg. Lapinha, 50km 
44 - Avenida Tancredo Neves, Madeireira Brotas, 60km
45 - Marginal da Avenida Tancredo Neves, Madeireira Brotas, 60km        
46 - Avenida Vasco da Gama, Cj. Santa Madalena, 70km 
47 - Avenida Barros Reis, próximo à Rua Jaqueira do Carneiro, Retiro, 60km
48 - Avenida Barros Reis, próximo à Avenida Oliveira, 60km
49 - Avenida Eng. Oscar Pontes, Polícia Federal, 60km
50 - Avenida Luís Viana (Paralela), Posto 3, 80km
51 - Rua Oswaldo Cruz, sentido Ondina, 70km
52 - Avenida Afrânio Peixoto (Suburbana), Igreja Universal, 60km  
53 - Avenida Afrânio Peixoto (Suburbana), 60km
54 - Avenida Vasco da Gama, Vasco Imports, 70km
55 - Avenida Vasco da Gama, Igreja Presbiteriana, 70km
56 - Avenida Octavio Mangabeira, Praia dos Artistas, 70km   
57 - Avenida Octavio Mangabeira, Sesc Piatã, 70km   
58 - Avenida ACM, entrada Parque da Cidade, 70km
59 - Avenida Prof. Manuel Ribeiro, Escola Pingo de Gente, 70km 
60 - Avenida São Rafael, Shopping Ponto Alto, 60km


Notícia: http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/sessenta-novos-fotossensores-comecam-a-funcionar-nesta-segunda-em-salvador/ 

Link: http://jus.uol.com.br/revista/texto/17371/a-noite-nao-pare-no-semaforo-vermelho

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O estado e sua maneira de educar

 
 
Bom, o que me levou a escrever este post foi o comentário do nosso amigo Pregopontocom no blog Trânsito ComPaixão, da arquiteta e analista de transporte e tráfego Cristina Aragon. A especialista fala sobre o colapso do trânsito das grandes cidades e sobre a busca da solução na restrição de oferta de infraestrutura viária, ao invés do aumento desta capacidade. Isto é meio óbvio, uma vez que o aumento da infraestrutura acarreta maiores custos e é limitado pelo espaço urbano. Outro pequeno detalhe é que obras de infraestrutura tem data de validade, pois sofrem com o fenômeno da demanda latente, já explicada em post anterior. Contribuí para a discussão concordando com a especialista, e fui mais além: afirmei que apenas melhorar o transporte público não irá solucionar o problema - é preciso também restringir o uso do automóvel, e isso só é possível se esta restrição atingir o bolso de quem mais contribui para o problema. É aí que nosso amigo entra e contribui também. Vou colocar apenas um trecho do seu comentário, senão isso aqui vira a própria bíblia sagrada:

pregopontocom disse:
21 de dezembro de 2010 às 21:31
ENTRE A CRUZ E A ESPADA - Sempre me preocupa o fato de determinadas iniciativas que são propostas,para tentar amenizar o problema da MOBILIDADE URBANA seja ela aqui ou em qualquer outro lugar. E nessas iniciativas, quase sempre o nosso bolso é sempre lembrado, e ai é que todos nos, o povo de maneira geral, sempre acaba levando a pior e em todos os sentidos, ficando literalmente ENTRE A CRUZ E A ESPADA de um lado criticado do outro sacrificado. Ora,…poucas vezes, e são raras, muito raras, ouço alguém cobrar dos nossos governantes, investimentos não só financeiros mais também de ordem cultural e intelectual em EDUCAÇÃO e CIDADANIA. Pergunto…COMO SE PODE COBRAR DO POVO, ALGO EM TROCA DAQUILO QUE NUCA LHES É OFERECIDO?!!!!!!

Concordo com tudo que o colega diz. Quando falamos em punir para chegarmos ao bem estar social isso gera um grande questionamento: mas o bem estar social não é justamente uma tarefa do estado? Agora o próprio estado tem que me punir pra estabelecer este bem estar? Infelizmente sim. Não há outra alternativa para amenizar o problema no curto prazo e vou tentar explicar o porque. As pessoas tem a falsa idéia de que a rua é um bem público, e que por isso seu uso não deve ser pago. Do ponto de vista econômico, a rua - nesse caso me refiro às ruas, avenidas e afins - é um bem comum, e não um bem público. Na economia, os bens podem ser classificados segundo duas características elementares: rivalidade e exclusividade. O bem é rival quando a quantidade consumida por uma pessoa reduz a quantidade disponível para os outros. O bem é exclusivo quando se pode excluir o acesso dos não pagadores. O bem público é caracterizado por ser não-rival e não-exclusivo. Temos como exemplo a luz solar, não há como excluir pessoas de usa-la e nem o uso de um agente irá reduzir a quantidade de luz solar para outro. O bem comum é não-exclusivo, porém é rival. As pessoas podem trafegar livremente nas ruas e por isso ela é não-exclusiva; mas a partir do momento que eu estou com meu carro nela, eu estou reduzindo a quantidade de espaço para os outros, então ela é rival. O mal uso dos bens comuns nos leva a um caso muito famoso na teoria econômica: a tragédia dos bens comuns. Não vou me aprofundar, pois já temos quase o velho testamento aqui escrito. 

Estamos à beira de um colapso. Educar é extremamente necessário; digo que tem que ser umas das bases de um programa SÉRIO de melhoria da mobilidade urbana. Eu fico indignado por não haver uma lei que obrigue as escolas a ter a disciplina Legislação de Trânsito. Uma coisa muito simples. Os pedestres não conhecem as leis de trânsito, acham que só servem pros carros. Quem dirige pouco conhece a legislação. Ter uma disciplina como esta nas escolas seria um ganho imensurável para as futuras gerações. A solução para a nossa mobilidade não é simples, mas deve ter 5 frentes: EDUCAR; MELHORAR O TRANSPORTE PÚBLICO; DESINCENTIVAR O USO DO AUTOMÓVEL; INCENTIVAR A MOBILIDADE SUSTENTÁVEL; e FISCALIZAR. Simples não é, mas deve ser possível sim. Desincentivar o uso do automóvel não é apenas aumentar o custo financeiro de quem usa o carro, lembrem-se disso.

O estado é sim o grande culpado, sem dúvidas. Erros e omissões no campo do planejamento urbano e de transportes do passado nos levaram a este caos que é o presente. O estado acostumou todo mundo mal, dando prioridade ao automóvel em todas estas grandes cidades. Quem sempre teve acesso ao automóvel sempre foi privilegiado. Uma hora esta coisa iria virar tragédia, já que a rua é um bem rival. Hoje quem não tem carro sofre mais, porque nem um transporte público digno a população de Salvador tem. Cabe agora ao estado solucionar este problema MELHORANDO O TRANSPORTE PÚBLICO e TIRANDO A PRIORIDADE daqueles que a anos são beneficiados. Nem uma coisa nem outra, as duas juntas.
 
Pra finalizar, as pessoas são tão mal acostumadas que se revogarem a lei que proíbe a cobrança de taxas de estacionamento em polos geradores de tráfego a cidade vira um pandemônio. Vai ser gente revoltada, indignada, a mídia sentando o pau. Mas se os deputados decidirem aumentar seus próprios salários em mais de 60% eu garanto que poucos serão aqueles que irão se manifestar. Acostumaram direitinho. 

Pra quem se interessar: A Tragédia dos Bens Comuns 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Tenho automóvel logo existo

- Socorro meu deus, eu não quero morreeeer!!!
 
Será que existe alguma explicação para a quantidade de veículos que hoje circula nas grandes cidades? Como já comentei em textos anteriores, muitas vezes tenho a impressão que ninguém em Salvador trabalha, pois a cidade vive congestionada desde a hora que o sol nasce, até a hora que começa Passione. Parece que os carros se multiplicam na rua, é sinistro. Eduardo Vasconcellos, um dos mais notórios estudiosos da área, discute este tema no capítulo 5 do seu livro "Transporte urbano nos países em desenvolvimento: reflexões e propostas". Ele explica que esta hegemonia do transporte individual (leia-se automóvel) não é fruto apenas do processo de transformação social e econômica; é resultado também das decisões no âmbito do planejamento urbano e do planejamento de transportes.

É importante discutir este tema por dois motivos: 1) o mal uso do automóvel vem gerando uma série de externalidades negativas, diminuindo a qualidade de vida nos grandes centros; 2) este problema já vem sendo tratado como 'inevitável', sendo entendido como uma livre vontade do consumidor cuja opção pelo automóvel tem que ser respeitada.

O automóvel marcou a história da humanidade. A indústria automobilística possibilitou o desenvolvimento das regiões, gerou empregos, renda e melhorou as condições de vida ($) de muita gente. Remodelou a vida nas cidades, ampliou horizontes. Ao mesmo tempo que trouxe todos estes benefícios, o automóvel também impôs ônus à sociedade, não apenas aos seus donos.


Assinado: indústria automobilística.

Segundo Vasconcellos, quatro visões convencionais explicam esta surra que o automóvel está dando em todos os outros modos de deslocamento. A primeira é a que coloca o automóvel como um símbolo de poder, status de riqueza. Neste caso o automóvel é visto como um símbolo de superioridade e prestígio social. Esta visão ele dá o nome de antropológica. A segunda concepção corresponde aos símbolos de liberdade e privacidade. Liberdade no sentido de circulação livre no espaço e privacidade no sentido de poder utilizar o domínio público de forma privada, ou seja, a possibilidade estar no seu mundo íntimo mesmo em meio ao caos urbano. Esta visão Vasconcellos dá o nome de política, uma vez que mexe com questões de liberdade e propriedade privada. Uma terceira visão corresponde às idéias de juventude, confiança própria e prazer pessoal. O automóvel aparece em muitos casos como um meio para experiências emocionais relacionadas ao ato de dirigir e ao prazer estético. É aquela coisa de que quem tem carro é mais bonitão. Esta seria a visão psicológica. A quarta e última visão relaciona-se à utilidade do automóvel como uma tecnologia que permite maior mobilidade. Ao decidir adquirir um automóvel, o agente estaria atento ao custo de oportunidade, ou seja, ele faz uma comparação racional entre os custos e benefícios do automóvel em relação aos seus substitutos, e percebe que o custo de oportunidade de não adquirir o carro é alto. Esta é a visão econômica. As três primeiras concepções estão presentes no nosso dia-a-dia, enquanto que a quarta, a visão econômica, é uma visão com maior poder explicativo embora seu uso isolado não seja apropriado em países em desenvolvimento. 

Seriam estas quatro visões suficientes para explicar esta quantidade de veículos nas ruas das médias e grandes cidades do país? Aconselho a leitura do capítulo 5, a partir da página 108, "O enfoque sociológico do automóvel". É pequeno, não tenha preguiça não. Fica a dica.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Existem pedestres em Salvador?




É uma pergunta onde a resposta é óbvia: é claro que existem pedestres em Salvador. Aliás todos nós somos pedestres. Quando saímos de casa a pé, descemos do ônibus, deixamos a bicicleta ou estacionamos o carro e caminhamos, estamos na condição de pedestres. - Mas por que perguntar então meu filho, cê já num sabe que somos todos pedestres? Às vezes perguntas óbvias não tem respostas tão óbvias assim. Todos sabem que os pedestres existem. Eu, você e todos nós sabemos. Era de se esperar que as pessoas que elaboram projetos urbanísticos, engenheiros, urbanistas, arquitetos, também soubessem. Das duas uma: ou pra eles os pedestres não existem, ou estão sacaneando. Vamos falar mais uma vez da Rótula do Abacaxi só pra exemplificar. 

Olha lá os Beatles na faixa!

Finalmente liberaram parte da obra da Rótula do Abacaxi. O tráfego deu uma melhorada (só não sabemos até quando) e no fim das contas o resultado por enquanto é positivo. Os carros podem tranquilamente atravessar da Barros Reis para Avenida ACM sem transtornos; podem sair do Cabula em direção à Avenida Heitor Dias sem problemas também, através de grandes viadutos. Os carros passam tranquilamente, mas e as pessoas? Os pedestres não tem o direito de ter sua vida melhorada também? É impressionante como em nenhum momento o deslocamento do pedestre foi pensado. São vias largas, sem qualquer instrumento de controle de velocidade, sem faixa de pedestres, passarelas, sinaleiras ou qualquer outra estrutura que facilite a travessia dos pedestres. Os pedestres correm risco de vida para poderem realizar seus deslocamentos. 

Talvez se questionarmos algum responsável pela obra, ele dirá que o projeto também pensou no pedestre, e que serão inauguradas futuramente passarelas, faixas e as calçadas. É isso mesmo, inauguraram a Nova Rótula do Abacaxi e boa parte das calçadas não tem pavimento! Pessoas andam misturadas a operários e equipamentos. É muita cara de pau inaugurar uma obra inacabada como esta. O carro passa numa boa, mas o pedestre é quem sofre com a exposição a poluição e aos riscos da travessia. É abominável o que fizeram na Barros Reis, na frente do Atacadão. Uma pista larga, com grande fluxo de pedestres que precisam cruzar a via, e me colocaram um canteiro central que mais parece aquele aparelho que as atletas da ginástica olímpica tem que se equilibrar. O canteiro não deve ter nem 30 centímetros de largura, e dos dois lados os carros passam em alta velocidade. Um absurdo.

Olha lá, o carro "seguro" na calçada e o bróder se arriscando!

Segundo o Estudo de Demanda do Transporte Coletivo em Salvador, feito pela TC/BR, cerca de 55% dos deslocamentos em Salvador são realizados através do transporte coletivo por ônibus e cerca de 28% dos deslocamentos são feitos a pé. Os deslocamentos por carro representam cerca de 14% dos deslocamentos. Apesar deste número significativo, os deslocamentos a pé não tem sido preocupação dos gestores públicos. A consequência disso pode ser vista diariamente: trânsito caótico, poluição e acidentes, principalmente atropelamentos. Fica cada vez mais difícil para o pedestre se deslocar em Salvador. Li um artigo do professor Ulisses Francisco Santos Rocha (A mobilidade a pé em Salvador) e o mesmo faz uma observação interessante: em todos os planos urbanisticos de Salvador a partir da década de 50 a mobilidade a pé é tratada de forma genérica e superficial. Propostas para a circulação de pedestres se destinam a área central da cidade: calçadões, instalação de abrigos nos pontos de ônibus, sinalização de travessias semaforizadas e informação sobre o serviço de transportes. Ou seja, nestes planos o pedestre só existe quando atravessa a rua ou pega ônibus, mesmo assim se for na área central! Fora isso, os pedestres não existem... 

Pedestres se arriscando na Nova Rótula

É muito pouco pra uma cidade onde há 1 carro para cada 5 habitantes. O pedestre é o elemento mais vulnerável da cadeia de deslocamentos e o poder público deveria assegurar o máximo de segurança e bem-estar a estes. Todos nós somos pedestres. As prioridades em Salvador são invertidas. A prioridade é de quem polui mais, de quem consome mais energia e mais espaço nas vias. Está tudo errado. Mas quem vai ter culhão peito pra mudar isso?

Segue abaixo um vídeo do Governo da Bahia fazendo a propaganda da obra (queria morar em uma propaganda do Governo da Bahia) e outro feito pelo Bahia Notícias mostrando o problema para o pedestre. 

Boa sorte aí se for atravessar a Nova Rótula!



terça-feira, 21 de setembro de 2010

Semana da Mobilidade



Acontece esta semana em algumas cidades europeias a European Mobility Week, uma campanha que busca conscientizar cidadãos europeus a utilizarem modos mais sustentáveis de transporte, além de encorajar os governos a participarem promovendo investimentos necessários à melhorias nestes modos de deslocamento. Do dia 16 ao dia 22 de setembro, os cidadãos europeus poderão participar deste movimento de mobilidade sustentável.



Esta campanha iniciou-se no ano de 2002, na carona de uma outra campanha que vinha dando certo: o "In town without my car!" (Na cidade sem meu carro!). Esta campanha teve início no ano 2000 com participação de muitas cidades mostrando alternativas ao uso do automóvel por um dia. Em 2002, abraçado por alguns governos, esta campanha passou a utilizar esta semana de setembro para lançar alternativas buscando melhor qualidade de vida, reduzindo o uso do automóvel e promovendo o uso de modos mais sustentáveis. Segundo os próprios formuladores da campanha, a Semana da Mobilidade é a oportunidade única para que as cidades que participam possam testar políticas de transporte urbano e apresenta-los para os cidadãos



No Brasil ainda não temos uma campanha deste porte, com participação de toda a sociedade civil e das prefeituras. No dia 22 de setembro, acontece o Car free day (Dia mundial sem carro), algumas prefeituras, como a do Rio de Janeiro, estão se mobilizando para que este dia não passe em branco. O centro do Rio terá mais de 2 mil vagas de estacionamento proibidos neste dia. Outra medida foi reduzir a velocidade em algumas vias para no máximo 30km/h, permitindo assim o tráfego de bicicletas com o mínimo de segurança.


É pouco, diga-se de passagem, mas já é algo. Eu lembro vagamente do ano passado, no dia 22 de setembro, dia mundial sem carro, quando acordei cedo e estava assistindo o jornal local. Havia uma especialista sendo entrevistada, se não me engano era a professora doutora Ilce Marília Dantas, falando à respeito da necessidade de conscientização em relação ao uso do carro na nossa capital. Fiquei pensando se naquela hora, às 6:50 da manhã, alguém iria deixar o carro em casa e sair de buzão cheio pro trabalho. Lembro da repórter, que ainda filmava a Avenida Bonocô, entusiasmada com o trânsito livre na região (óbvio, era 6:50 da manhã). A repórter dizia que era muito importante participar, e que parecia que "as pessoas estavam aderindo ao movimento". Não lembro como estava o trânsito na cidade naquele dia, mas tenho absoluta certeza que poucos foram os que aderiram, afinal uma campanha deste porte e desta importância não pode ser divulgada na data, às 6:50 da manhã. É preciso primeiramente conscientizar as nossas autoridades, que parecem não estar ligando muito pra isso. O trânsito em Salvador só piora, a qualidade de vida deteriora, e nos poucos momentos onde há a oportunidade de fazermos algo diferente, deixam pra lá, não é importante. Somos bombardeados com informações sobre o impacto do uso do automóvel, que cresce a cada dia, mas o governo trata é de incentivar seu uso. A saúde é afetada de todas as formas: poluição, acidentes de trânsito e o stress a que estamos sujeitos nos congestionamentos e com o sistema de transporte público muito deficiente. Enquanto o mundo todo tende para o lado da qualidade de vida nos grandes centros urbanos, nós vamos felizes para o outro lado...

Seguem estes dois vídeos. O primeiro mostra como será o dia 22 de setembro no município do Rio de Janeiro, e o outro mostra Secretários de Estado em Portugal tomando iniciativas para a Semana da Mobilidade. Vale a pena ver, não custa nada.





Links:


terça-feira, 14 de setembro de 2010

O que é o que é: congestionamento?

Olá pessoas, sejam bem vind@s novamente no meu blog! Demorei mas voltei, e antes tarde do que tarde demais. Bom, neste novo post eu to inspirado, se segure que vou começar a esmiuçar um dos problemas do transporte urbano e que se tornou companheiro diário de todos os habitantes da Soterópolis: o congestionamento urbano. Pra quem não sabe o que é esmiuçar, essa palavra pode parecer estranha mas ela existe, e significa "examinar minuciosamente". Se você não sabe o que significa minuciosamente, desista.
 
 
 
 
Bom, voltando ao tema, congestionamentos. Quem pode me dizer aí o que é o congestionamento? Bom, explicar o que é o congestionamento não é tão difícil, basta você me dizer que o congestionamento é uma condição que surge do aumento do tráfego em uma via, ou seja, é um monte de carro enfileirado - e muitas vezes buzinando no seu juízo. Não está errado não colega, mas certamente o congestionamento não se resume a isso. A maioria das pessoas tem sua própria definição do que é o congestionamento. Cada um vive o congestionamento de um jeito. Se você parar ali na Paralela, às 18:30, e sair perguntando aos motoristas e passageiros dos ônibus parados o que é o congestionamento, você terá uma gama de definições do tipo: 

- Congestionamento é um monte de gente querendo passar por uma p$or@!& de uma rua que já não suporta mais essa quantidade de carro...

- Congestionamento é o que me faz chegar em casa todo dia 8 da noite meu caro...

- Congestionamento é esse povo 'maléducado' aí na frente véi, quer todo mundo passar de vez! Tá vendo que num dá?!

- Rapaaaaiz, esse congestionamento é uma m%#r!#@ viu! Me estressa!

- Desculpa, mas congestionamento não é a mesma coisa que engarrafamento?

- Congestionamento é imobilidade...ficar aqui parado um tempão pra chegar em casa...daqui a pouco começa Jo Soares e eu ainda to aqui...  

- Rapaz, esse congestionamento é uma falta de respeito! Pagamos caro por esse transporte ridículo, e ainda temos que ficar horas aqui em pé pra chegar em casa! Congestionamento é isso! Cadê os político essa hora? Tão tudo nos carro!

- Ô seu moço, congestionamento é um monte de carro na rua! Nunca vi tanto carro!

Bom, percebe-se que todo mundo sabe instintivamente o que é o congestionamento, a maioria das pessoas tem sua própria definição. Isso implica dizer que não existe uma definição universal para o problema. Esta carência de definição talvez dificulte a implementação de certas medidas, uma vez que precisa estar claro o que se deseja solucionar. De uma forma mais geral, eu posso dizer que o congestionamento é uma deficiência do sistema de transportes em alocar as necessidades de deslocamento. Entenda que sistema de transportes não é o sistema de transporte público, mas sim todo o sistema, que integra todos os modais (carro, ônibus, trem, bicicleta, metrôelevadores, inclinados e o famoso "a pé" que por aqui nem é tratado como um modo de deslocamento). Uma outra abordagem utilizada para definir o congestionamento é trata-lo como um simples problema de engenharia hidráulica. Nesta analogia, maiores canos permitem uma maior quantidade de fluidos - aumentando a capacidade das vias, permite-se uma maior quantidade de veículos. O equívoco desta visão é que ela ignora a principal variável do problema: as pessoas. Diferentemente dos fluidos, as pessoas fazem escolhas, e as vias, diferentemente dos canos, cumprem diferentes funções dentro das cidades. Sendo assim, é baseado nesta abordagem é que se obtêm a solução corriqueira do problema: ampliação da infraestrutura viária (leia-se alargar avenidas, construir viadutos, etc.). 
 



No meio acadêmico não há mais espaço para esta medida como solução para os congestionamentos urbanos. Para alguns autores, a eficácia deste modelo é limitada não só pelo alto custo mas também pelo fenômeno da demanda latente e demanda induzida. Calma que eu vou explicar o que é isso aí. A demanda induzida é aquela que de fato utiliza o bem. Entendeu? Bom, mais simples: demanda induzida é você e toda aquela galera que decide passar pela Paralela às 18:00. Essa é a demanda induzida. - E a 'demanda latente' seu Valera? A demanda latente são aqueles que gostariam de utilizar o bem, mas não utilizam. Demanda latente é você quando vê que tá tudo engarrafado, olha e pensa: "vou deixar pra ir mais tarde..." ou então prefire dar a volta na cidade do que passar por ali agora. Demanda latente é o que também podemos chamar de demanda potencial. Ela tá lá, doida pra utilizar a via, mas não usa porque acha que o custo de enfrentar o congestionamento será maior do que esperar pra ir mais tarde ou mudar a rota. Basta um bom motivo pra você passar a utilizar esta via. A Rótula do Abacaxi, por exemplo, é o que chamamos de gargalo urbano em Salvador. Trafegar ali era sinônimo de dor de cabeça (e continua sendo, não se engane). Muita gente evitava trafegar neste trecho em certos horários, evitando ficar parado no engarrafamento. Como já foi relatado no post anterior, a Rótula hoje está em transformação, a pleno vapor, com pelo menos uns três novos viadutos para serem inaugurados, o que melhorará positivamente o trânsito na região. A pergunta é: até quando vai durar esta melhoria? Vamos pensar um pouco...demanda latente e demanda induzida...quem usava a Rótula anteriormente, continuará usando, isso é óbvio. Aqueles que gostariam de usar, mas não usavam, serão incentivados a usar, afinal, agora o trânsito na região vai melhorar. No longo prazo, a demanda induzida vai incorporar toda a demanda latente anterior. Trocando em miúdos, agora todo mundo que já usava e quem também queria usar vai passar a usar a Rótula. Com o tempo, aquela melhoria inicial desaparecerá. Quem não lembra dos alargamentos da Avenida Paralela? Melhorava num instante e pouco tempo depois ela tornava-se novamente insuportável. É o fenômeno da demanda latente.
 
 
 

Pronto, agora você pode sair e dizer que aprendeu alguma coisa hoje: aprendeu que congestionamento é um saco e aprendeu dois conceitos que você talvez nunca mais use na vida: demanda latente e demanda induzida. Isso aí tá mais batido do que tabuada: não é construindo viadutos e alargando pistas que se resolve o problema dos congestionamentos. O mundo todo sabe disso. Mas parece que há interesses envolvidos por trás disso tudo. Interesses estes que não estou apto a debater. Fiquem à vontade.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O martírio da Rótula do Abacaxi

Ladies and gentleman, este aqui é o primeiro passo deste blog que já nasceu voando! Vou tentar lançar algumas idéias, algumas críticas e estimular alguns debates neste pequeno espaço cibernético. Bom, pra começar, queria dizer que se alguém tiver uma máquina do tempo, que me transporte pro dia que esta Rótula do Abacaxi estiver pronta (que não seja em 2020, por favor), é o meu único pedido! Está insuportável viver no Cabula estes meses de obra e ainda me deparar com placas do tipo "evite trafegar na Rótula do Abacaxi" espalhadas pela cidade. Me dê uma opção aí meu querido? De helicóptero? É duro - lá ele - mas simplesmente NÃO EXISTEM OPÇÕES!!! Se eu resolver escapar pelo Jardim Brasília, saindo no Detran, pego o congestionamento na Avenida ACM sentido Rótula; se desço pelo Chopm, pego o congestionamento do Retiro sentido Rótula; se eu desço pelo final de linha do Pernambués, pego o congestionamento do Iguatemi; se desço pelo Saboeiro, pego o congestionamento da Paralela. A ideia então é escolher a opção menos pior. O difícil é saber qual a opção menos pior nos horários de pico, já que nestas horas todas as opções são piores. Outro detalhe é que os horários de pico, antigamente bem definidos, hoje já duram quase a totalidade do dia. Fico impressionado com congestionamentos às 11 da manhã ou às 3 da tarde na cidade. Me pergunto se o povo não trabalha mais, porque eu não consigo entender a quantidade de carros na rua nestes horários.
 
 
 
 
Voltando a falar da Rótula do Abacaxi, vale lembrar que fora o martírio que é chegar nela, temos que adivinhar qual será o caminho novo a seguir pela Rótula. Você acha que chegando nela está a salvo? Negativo. Todo dia é um desvio diferente, uma sinaleira nova, sem falar nas crateras buracos novos. Eu já comecei a brincar do "jogo dos sete erros" quando vou lá, fico identificando o que foi modificado em relação ao dia anterior. Um dia eu tava descendo no ônibus, e um singelo rapaz a minha frente comentou com seu coleguinha: - ó pá lá véi, olá o tamanho do viaduto que os cara tão metêno! Olhei pro objeto que o jovem raparara e percebi que ele não existia no dia anterior. Foi construído praticamente em uma madrugada. Impressionante. Não podemos negar a rapidez da obra, e que o resultado, pelo menos ao que me parece, será satisfatório (só não saberemos até quando). Há muitas questões a serem discutidas sobre o tema transporte urbano, nesse primeiro post eu não me propus a discutir nada, apenas descarregar minha angústia de ter que trafegar naquela droga obra magnífica. Não irei gastar todos os meus questionamentos em um só post . Também não sei a frequência que irei escrever aqui, espero que semanalmente eu traga um tema interessante para ser discutido aqui. Se ninguém quiser ler, eu não ligo não, isso vai servir apenas como um exercício de criação (brincadeira, se ninguém comentar eu faço greve!). Bom, é isso, espero que o próximo post seja mais interessante. Abraços a todos!
 
 

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